Brasilino vivia na cidade grande;
vindo do interior lutava para se auto sustentar. Mesmo sem conseguir juntar as
letras e formar palavras, sempre caminhava com um ou mais livros em baixo dos
braços. Durante suas caminhadas diárias ia encontrando pessoas e dizendo-lhes:
- Quer ler este livro? É muito bom, o autor é excelente!
Brasilino vivia de donativos e
recicláveis que vendia nos ferros-velhos dos bairros que percorria. Carismático
e conhecido de todos, estava sempre desfiando seu rosário de histórias; falava
das pessoas e ria muito dos acontecimentos por ele observados e vividos.
Quando passava em frente à alfaiataria
do amigo Afrânio, sempre dizia:
- Amigo Afrânio! Estou indo comprar um
corte de tecido, amanhã vou mudar de vida, serei outra pessoa.
E seguia seu caminho.
O sonho de Brasilino era usar um
terno, e não havia dia que não tocasse no assunto do terno e sua mudança de
vida. Por onde passava sempre ouvia:
- Cadê o terno, Brasilino?
- É amanhã, você vai ver, está ficando
lindo.
Os anos foram passando, a velhice
chegando e nada do Brasilino aparecer vestido com o tão propagado terno.
A casa do Brasilino era bem humilde:
quarto, cozinha, sala e banheiro. As paredes eram sem reboco, o piso, de
cimento queimado, porém, tudo bem limpinho e arrumado. No quarto existia uma
prateleira com muitos livros, todavia, não tinha lido nenhum, não sabia sequer
escrever o nome. Muitas pessoas passaram por sua porta à procura de livros para
leituras e trabalhos escolares. Após a escolha, Brasilino vinha com seu bordão:
- Muito bom, o autor é excelente!
Amanhece mais um dia. Brasilino chega
à porta da alfaiataria do amigo Afrânio, entrega uma sacola com um pacote
dentro e diz que ele pode abrir o pacote. Ali estavam: um corte de linho
branco, um retrós de linha, cinco botões para a calça, três para o paletó; nem
os botões do colete Brasilino esqueceu.
- Afrânio! Tire as medidas e pode
fazer o terno. Quanto é? Quero pagar adiantado.
A noticia espalhou-se rapidamente,
igual “rastilho de pólvora”. Brasilino
passou a andar todo garboso pelas ruas do bairro, parecia ensaiar seus próximos
passos, sua nova postura, na ânsia da oportunidade agora quase real de vestir
tão esperado terno! Chamado foi para sua primeira prova. Seus olhos brilhavam,
sua postura aproximava-se de um Lorde.
Uma semana depois chega o aviso tão
esperado. Afrânio, o alfaiate chama Brasilino e diz: amanhã passe por aqui,
ficarei trabalhando no seu terno depois do expediente e irei terminá-lo.
Brasilino foi ligeiro para casa e fez
uma faxina geral. Retirou o calendário da parede, circulou a data do dia
seguinte: 1º de Novembro de um ano qualquer. Deitou-se mais cedo do que o
horário costumeiro, quanto antes dormisse, o dia seguinte chegaria mais
rapidamente. Pontualmente às seis horas o despertador tocou. Levantou-se, tomou
um demorado banho, passou brilhantina nos cabelos, escovou os dentes, passou
uma loção pelo corpo e pôs-se a lustrar por mais de trinta minutos o par de
sapatos que havia achado certo dia e guardado para essa ocasião. Às sete e meia
partiu em direção à alfaiataria; aguardou pacientemente por mais de uma hora
até que o amigo Afrânio chegasse para abrir o comércio. Retirou o terno do
manequim e seguiu apressadamente para o provador, olhava atentamente para cada
detalhe da sua imagem refletida no espelho, até mesmo o último botão do colete
deixou sem abotoar.
Tudo como manda o figurino. Inesperadamente exclamou lá de dentro:
- Afrânio, perfeito!
Saiu para a rua todo empombado, e
todos vinham ter com ele. Caminhava altivo por todo o bairro, desfilou por
todas as ruas, atravessava a rua sem motivo algum. Naquele dia tão aguardado,
almoçou num bom restaurante e passou pelo café no meio da tarde. A noite
chegara e na lanchonete, entre amigos, pediu um lanche completo, com tudo o que
tinha direito.
Depois, despediu-se de todos e começou
a caminhar lentamente. Olhava as casas com uma visão que nunca tivera, parecia
ler os luminosos dos estabelecimentos. Vez ou outra olhava para o céu, não sei
se para a lua ou para as estrelas, mas, com certeza contemplava o firmamento.
Chegando a sua casa, encostou o
pequeno portão de madeira no batente, passou a chave na porta da cozinha e
encaminhou-se para o quarto. Arrumou as cobertas, ajeitou o travesseiro.
Sentou-se na cama, logo foi retirando os sapatos e, deitando, ajeitou o paletó
para cá e para lá. Elevou seus pensamentos a Deus e orou como todos os dias
fazia.
Olhou para o relógio pendurado na parede: 5
minutos do dia 2 de Novembro de um ano qualquer. Brasilino adormeceu
rapidamente e nunca mais acordou !!
José Luiz Pires - Presidente da Casa do Poeta de Campinas
Inadequado54@hotmail.com
Que ansiedade me deu para saber o final! Triste, muito triste! Pensei que fosse diferente! Mas sua escrita é um primor! Você sabe narrar com emoção e ênfase! Parabéns como sempre... Rachel
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